Sunday, September 30, 2018

Demônio da Depressão capítulo 4: Amor de Mãe


    _ Filha? Onde você está? _ Dona Rosa perguntava enquanto me procurava pela casa.

    Chegando na cozinha ela encontra sobre a mesa uma cartela vazia de remédios ao lado de minha carta. Aquelas eram minhas últimas palavras depois da briga que tivemos pouco antes naquele mesmo dia.

    Mas antes que eu diga o que escrevi na carta preciso contar a quem estiver lendo isto tudo o que eu passei na minha vida que me fez tomar esta decisão.

    Meu pesadelo que muitos chamam de vida começou antes mesmo de nascer, com meu pai alcoólatra e minha mãe... QUERIDA MAMÃE... Extremamente ciumenta, não que eu a culpe por isso, a culpa na verdade sempre foi do meu pai que jamais a respeitou, fidelidade não era uma qualidade dele.

    Meu pai foi embora de nossas vidas antes mesmo de me conhecer. Em uma das discussões minha mãe jogou uma pedra nele, que sob efeito do álcool correu atrás dela grávida prometendo matar nós duas naquele mesmo dia.

    Ela pulou pela janela e correu para a casa da minha avó e passou a noite longe daquele monstro que já havia a feito perder outro filho em outra triste ocasião.

    Aquela foi a última vez que eles brigaram antes dele sair pela porta de casa para nunca mais voltar, às vezes me pergunto como seria ter um pai presente, ou ao menos um que não tentasse matar a própria filha depois de uma briga com a esposa. Pena que esta história está apenas no começo.

    Depois que nasci o terror nas nossas vidas começou, pois minha mãe estava sozinha com uma filha recém-nascida nos braços, desempregada e sem dinheiro. Ela se viu obrigada a ir para a casa da minha tia, onde passei metade de minha vida.

    Ao menos tenho algumas boas recordações dessa época, minha tia praticamente me adotou e me dava tudo o que eu precisasse, enquanto minha mãe trabalhava de todas as formas que era capaz para me sustentar.

    Já meu pai, seja lá onde estiver, saiba que uma criança sente a falta de um pai, mesmo que ele nunca tenha ligado para pelo menos saber se estou viva. Eu digo isso chorando enquanto lembro cada abraço que meus colegas da escola recebiam dos seus pais quando eles chegavam para busca-los após as aulas.

    Os anos foram passando e eu fui crescendo, confesso que aprontei muito na infância o que fazia com que minha mãe perdesse a paciência e me batesse. Ela sempre foi uma mulher muito estressada, mas sempre lutou com todas as suas forças para me proporcionar uma vida melhor do que a que ela teve.

    Talvez você que está lendo isto ainda não entenda a razão da minha mãe ter transformado minha vida em um verdadeiro inferno, mas é neste momento que as coisas mudaram completamente.

    Ela conheceu um homem que posteriormente se tornou meu padrasto. Ela deixou se levar pelas suas promessas de uma vida melhor, enquanto eu estava feliz com a ideia de que finalmente eu teria um pai, finalmente um sonho realizado.

    Mal sabíamos que aquele homem era um lobo em pele de cordeiro. Um velho 20 anos mais velho que minha própria mãe transformou minha vida em um pesadelo que eu não era capaz de despertar.

    Assim como meu “verdadeiro pai” ele também começou a brigar com a minha mãe. Em uma dessas brigas meu instinto protetor me fez entrar na frente dele para impedir que ele a agredisse.

    Ele me agarrou pelo pescoço e começou a me sufocar, acho que se não fosse pela minha mãe talvez eu não tivesse passado daquela noite. Por vingança abri seu guarda roupas e cortei todas as suas camisas, esperava que assim ele aprendesse a lição.

    Aos 8 anos de idade ele fez algo que jamais esquecerei, minha mãe havia saído e me deixado a sós com ele. Eu estava na cozinha quando ele chegou com o zíper da calça aberto querendo “um abraço”, mesmo nessa idade eu já sabia de alguma forma que aquilo não estava certo e neguei por diversas vezes.

    Ele começou a correr atrás de mim pela casa, eu estava desesperada, pois sabia que algo horrível iria acontecer e não havia ninguém para me ajudar. Fui abraçada a força enquanto gritava e me debatia, mas ele só ficava me cheirando e me mandando ficar quieta.

    Por Deus alguém bateu na porta naquela mesma hora, o que o fez me soltar. Chorando e completamente aterrorizada eu corri para o meu quarto e me tranquei até que a minha mãe chegasse.

    No entanto minha mãe não acreditou em nada do que eu disse, ele já havia a cegado a ponto dela ficar do lado dele ao invés da própria filha que ela tanto dizia que amava.

    Um ano após o ocorrido o cunhado daquele pedófilo veio nos visitar, assim como ele havia feito esse homem também abusou de mim. Mesmo criança eu já estava começando a desenvolver meu próprio corpo e ele se aproveitou para pegar em meus seios. Ele me vendo assustada coma situação apenas disse em meu ouvido:

    _ Esse será nosso segredinho. Gracinha!

    Para variar novamente minha mãe não acreditou em mim, infelizmente isso é uma coisa que jamais saiu da minha mente e me atormenta até hoje, entretanto isto ainda estava muito longe de terminar.

    Essa é a parte da história que mais um personagem entra, meu querido irmão caçula. Ninguém pode imaginar o que esse menino me fez passar. Minha mãe engravidou daquele velho e dessa gravidez nasceu Gabriel, que para minha mãe era o filho perfeito.

    Depois que ele nasceu minha mãe que já era extremamente agressiva comigo passou a me maltratar ainda mais, eu sentia como se ela não se importasse mais comigo, isso me destruía por dentro.

    Quando eu completei 10 anos as coisas pioraram ainda mais, além de tudo o que eu já havia passado com a minha mãe, agora ela estava com câncer de mama. Na cabeça de uma criança de 10 anos, sem pai, com um padrasto louco e que poderia tentar algo novamente a qualquer momento e principalmente com uma mãe doida e agressiva, mas que eu amava e pensava que iria perdê-la.

    Com o medo de ficar sozinha no mundo acabei entrando em depressão, foi quando o vi pela primeira vez. Aquele demônio com aquelas garras e aquele sorriso doentio que me fez congelar sentada em minha cama.

     _ Olá doce menina! _ Disse ele se aproximando e saindo de dentro da escuridão que tomava conta do meu quarto naquela noite.

     _ Quem é você? _ Perguntei tentando me esconder embaixo da coberta.

     _ Você ainda não me conhece, então permita-me que eu me apresente. EU SOU O DEMÔNIO DA DEPRESSÃO!!! _ Disse ele antes de começar a gargalhar.

     _ Por que você está aqui? O que quer de mim? _ Eu disse chorando completamente assustada.

     _ Não tenha medo garota, foi você mesma que me chamou. Você estava triste com medo de ficar sozinha, agora vou te fazer companhia pelo resto de seus dias. _ Disse ele passando uma de suas garras pelo meu cabelo.

     _ Eu não quero sua companhia. Eu tenho medo de você. _ Eu disse me afastando dele, que agora já estava sentado comigo na cama.

     _ Agora é tarde demais minha princesa! NÃO TEM COMO SE LIVRAR DE MIM!!! _ Gritou ele sorrindo e mostrando seus dentes que agora mais pareciam enormes espinhos prontos para dilacerarem minha carne.

     _ MAMÃE!!! _ Eu gritava desesperada esperando pelo pior, imaginando o que aquele monstro estava prestes a fazer comigo.

     Nessa hora minha mãe entrou pela porta do quarto e me abraçou. Com a luz invadindo o meu quarto aquela criatura desapareceu junto com o resto da escuridão.

      _ O que houve filha? Por que essa gritaria toda? _ Ela perguntou enxugando minhas lágrimas.

      _ Eu vi um monstro aqui no quarto! Ele queria me pegar. _ Eu disse abraçando-a ainda mais forte.

      _ Foi apenas um pesadelo filha. Não tenha medo de monstro nenhum, eu estou aqui para te proteger. _ Disse ela me acalmando.

      _ Mas até quando eu vou ter você? Eu tenho medo de te perder, você é a única pessoa que eu tenho nesse mundo. _ Eu disse voltando a chorar.

      _ Eu não vou a lugar algum. Eu te prometo que vou lutar com todas as forças e vou vencer o meu câncer. Além de que agora você também tem seu irmão. _ Disse ela começando a chorar também.

       Depois daquela noite as visitas daquele demônio passaram a ser frequentes, eu me trancava no quarto e começava a chorar, pois sabia que já sofria tanto com a minha mãe, sem então eu não aguentaria mais. Isto estava alimentando cada vez mais ele.

     _ Você sabe que sua mãe logo estará morta e ninguém mais poderá te proteger de mim. _ Dizia ele como se estivesse se alimentando e se tornando mais forte a cada lágrima que escorria por meu rosto.

    Conforme o tempo foi passando minha mãe foi fazendo o tratamento, ela parecia cada vez pior e mesmo assim EU sempre cuidei dela. Os cabelos dela foram caindo quase ao ponto de não ter mais cabelos para pentear, mesmo assim eu sempre disse como ela era a mulher mais linda do mundo.

    Eu rezei tanto para Deus cuidar da minha mãe, mesmo com aquele demônio me dizendo que eu só estava perdendo o meu tempo e que minha mãe não sobreviveria.

    Minha mãe sofreu muito, mas superou o câncer e com sua recuperação ela pode ter sua vida de volta. Enquanto minha mãe estava com o câncer eu morei na casa da minha tia, onde eu fui a empregada da casa durante 6 anos.

    Na casa da minha tia eu sempre fui tratada como uma filha, mas aquilo mais parecia uma prisão, nunca tive a liberdade nem ao menos para sair com meus amigos, pois ela tinha medo de que eu fizesse algo errado.

    Foi nesse momento que eu tive que fazer uma escolha, ficar na casa da minha tia, continuar presa e obediente como uma gata borralheira, ou voltar para a casa da minha mãe, onde agora vivia a família perfeita, visto que agora a ovelha negra aqui não fazia mais parte.

    Em resumo vou daqui direto a parte que realmente interessa o que realmente me fez querer morrer. Sei que vão dizer que o suicídio jamais é a solução, mas agora já é tarde para voltar atrás.

    Na véspera de um feriado eu estava em casa quando minha mãe começa mais uma discussão, como sempre por uma razão qualquer. Após a discussão ela sai de casa e eu me tranco em meu quarto.

    _ Como eu disse. Você é incapaz de viver sem mim. _ Disse aquele demônio reaparecendo em minha vida.

    _ Pensei que tivesse me livrado de você. _ Eu respondi enxugando minhas lágrimas.

    _ Você jamais foi feliz, eu te acompanhei por toda a sua vida. _ Ele disse.

    _ Eu já fui feliz. _ Eu disse empurrando ele para longe.

    _ Sério? Quando? Quando seu primeiro namoradinho te traiu e a própria amante dele veio te contar? Ou quando você finalmente se cansou de morar com a sua tia e ser humilhada diariamente. O que foi mesmo que ela te disse: Você vai arrumar um filho com um vagabundo qualquer por ai e nunca será ninguém na vida. Isto é o que você chama de felicidade? _ Disse ele zombando de tudo o que havia passado em minha vida.

    _ Minha mãe superou o câncer, você sempre me disse que ela morreria a qualquer momento. _ Eu respondi agora chorando sem controle algum de minhas emoções, eu apenas queria que aquela dor acabasse.

    _ Não sei por que você está tão feliz com isso. Não foi ela mesma que te expulsou de casa quando você perdeu sua virgindade? Não se faça de santa. _Dizia ele me colocando contra a minha mãe.

    _ Sai daqui agora!!! Eu só quero acabar com toda essa dor. _ Eu disse com as mãos na cabeça em completo desespero, talvez ali começasse mais uma de minhas crises de ansiedade.

    _ Eu sei exatamente no que está pensando. Seu namoradinho de São Paulo não vai te salvar de mim, não importa o quanto ele tente. Acredite em mim quando eu digo que o conheço muito bem. Também o visito às vezes. _Disse ele tentando tomar meu celular de minhas mãos.

    _ Por favor me atende. Eu não estou suportando mais. Ajude-me pelo amor de Deus. _ Eu dizia nas mensagens enquanto o demônio ria ao ver que ele não me respondia.

    _ Você realmente confia nesse garoto? Confia de que céus e terra que ele te prometeu são de verdade? _ Ele disse sorrindo e começando a passar aquelas garras lentamente pelo meu corpo.

    _ Eu confio nele!!! _ Eu respondi.

    _ Ele vai fazer a mesma coisa que todos os seus ex-namorados fizeram, pois como sua própria mãe havia dito que você não passa de uma prostituta. Você jamais realizará os seus sonhos. _ Ele disse começando a se irritar.

    _ Eu ainda vou realizar meu maior sonho e você não vai me impedir. _Eu disse me negando a ceder ao que ele queria que eu fizesse.

    _ Você jamais saberá o que é ser mãe. Você sabe que precisará de tratamento para conseguir e nunca vai possuir dinheiro o bastante para isso. Você sabe que ninguém realmente se importa com você. Eu sou sua única companhia até a hora de sua morte. _ Disse ele destruindo minhas últimas esperanças de ser feliz algum dia.

    Agora voltamos ao início da história, onde minha mãe encontra a carta ao lado da cartela de remédios. Na carta eu escrevi:

    “Desculpa mãe, por não ser sua filha perfeita, por não ser filha daquele pedófilo que você tanto ama, por não ser mais virgem até o casamento, por ser a culpada de todas as brigas dentro de casa, por não simplesmente te obedecer em todas as vezes que você tenta controlar minha vida como se eu ainda tivesse apenas 5 anos. Não aguento mais toda essa humilhação, eu sei que sou a causa de todos os problemas da sua vida, não precisa esfregar isso na minha cara. Agora sem mim você finalmente poderá ser feliz ao lado da sua família perfeita a qual eu nunca fiz parte. ADEUS MÃE”

    Minha mãe terminou de ler a carta aos prantos, mas o sentimento de culpa, junto ao do remorso a impediu de ir atrás de mim. Ela de certa forma sentia vergonha do que fez a filha passar.

    Por Deus minha amiga me liga na hora e percebe o estado que eu me encontro. Desesperada ela me leva ao hospital aonde eu cheguei já quase desmaiando.

    Médicos estavam por toda parte, com equipamentos ao meu redor, para medir os batimentos, pressão, entre outras coisas para tentar me salvar. A pior parte foi quando um dos médicos tentou me fazer engolir uma espécie de cano para ter acesso direto ao meu estômago.

    Já sem ar e começando a entrar em desespero eu mesma puxei o cano e feri minha laringe, o que me fez começar a vomitar sangue. Sinceramente nem sei mais se naquele momento eu ainda preferia morrer ao continuar aquele sofrimento.

    Depois disso fui levada a um outro quarto onde fiquei me recuperando do procedimento, mas antes que eu saísse da presença dos médicos eu pude ver aquele demônio na porta. Ele apenas sorriu e desapareceu.

    Mais tarde naquela mesma noite já na casa da minha amiga eu recebo uma ligação.

    _ Amor. Você está bem? Conte-me o que aconteceu? Por favor, me diz que você não fez nenhuma besteira. _ Disse ele desesperado no telefone.

    _ Calma amor, a pior parte já passou. Hoje eu briguei novamente com a minha mãe e tentei me matar, minha amiga me salvou. _ Eu respondi tentando explicar o que aconteceu.

    _ Meu Deus. Eu estou sem reação, não sei nem o que dizer. _ Ele disse tentando aceitar que quase perde o amor de sua vida.

    Eu mandei a foto do meu pulso e o que aquele demônio me fez fazer, minha dor no pulso não chegou perto da dor que senti em meu coração, mas agora eu me sentia melhor ao lado da minha amiga e do desesperado do meu namorado.

    Passei o fim de semana na casa dela e no domingo voltei para casa e fiz as pazes com a minha mãe, depois disso tudo ela parecia um pouco mais compreensiva e passamos a nos entender.

    Uma semana depois da minha tentativa de suicídio minha mãe começa a passar muito mal e eu a levo para o hospital.

    Chegando lá ela começa a ficar cada vez pior e os médicos parecem não saber mais o que fazer.

    Naquele momento eu o vi novamente, mas esta foi a pior de todas as vezes. Com ódio no olhar ele atravessou uma de suas garras no coração da minha mãe que de certa forma apenas aceitou que ele a levasse.

    Apenas eu o via e os médicos acreditaram com foi um  infarto que a tirou de mim. Eu apenas gritava feito louca com ele.

    _ POR QUÊ? O QUE ELA FEZ PARA MERECER ISTO?

    _ Quem você acha que realmente salvou sua vida? Ao ler a sua carta ela entrou em desespero e eu apareci. Sua mãe ofereceu a vida dela pela sua. Por isso não te levei comigo aquela noite.

    _ Eu quero minha mãe de volta!!! _ Eu chorava desesperada abraçada com o corpo dela no chão.

    _ Agora é tarde, mas você agora sabe que ela realmente te amava e foi o amor de mãe dela por você que te salvou. _ Foram suas últimas palavras antes de sumir para sempre da minha vida.

    Hoje eu tenho 25 anos e ainda me lembro do que minha mãe fez por mim, agora eu sou mãe também e prometi a mim mesma que se for preciso eu também dou a minha vida pela de minha filha. Agora eu sei o que realmente significa o amor de mãe.

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