Monday, January 8, 2018

Demônio da Depressão

Não sei exatamente como tudo isso começou, mas ainda lembro de todas aquelas noites na presença daquele ser, não sei por que fui fraco e covarde para desistir de tudo o que eu tinha.

Dizem que os pais são deuses aos olhos dos filhos, pelo menos em minha família isto nunca foi uma verdade, o único que sempre ficou do meu lado e fez de tudo por mim foi meu irmão.

Logo nos primeiros anos da minha vida tive que presenciar as traições do meu pai, ele tranzava com outra mulher até quando minha mãe estava grávida, não sei como ele pode.

Anos se passaram e mudamos para outra cidade, com a promessa que finalmente seríamos felizes e que eles não brigariam mais, infelizmente acreditei nisso como qualquer outra criança inocente faria, pois que criança iria desconfiar que seus pais eram dois mentirosos.

Na nova cidade começamos a passar necessidades até que nosso pai arrumasse um emprego, ainda sim continuamos sem dinheiro para comprar o que comer, visto que tudo o que nosso pai ganhava ele gastava com o que bem entendesse, ele nunca havia comprado ao menos uma caixa de leite com meia dúzia de pães para nos alimentar.

Nossa mãe nunca brigava com ele para que ele mudasse de atitude, talvez pelo medo que ele voltasse a traí-la, muitas vezes ele impedia que nós gastássemos com qualquer coisa que fosse para comprar arroz, assim almoçaríamos pelo menos o arroz puro.

No início de minha adolescência minha vida desmoronou diante de meus olhos, meus pais começaram a brigar cada vez mais e em uma dessas brigas meu pai tentou me levar para longe da minha mãe.

_ Pai, eu não vou com você, se você quiser ir terá que ir sozinho. _ Disse a ele voltando para dentro de casa.

_ Quero que você saiba a escolha que está fazendo, eu assumo que cometi diversos erros, inclusive com você e seu irmão sendo um pai ausente, mas sua mãe também não é nenhuma santa. _ Disse ele.

Eu optei por ficar com minha mãe, então ele me contou tudo o que havia acontecido e toda a história da traição, de certa forma ele queria meu perdão. Não o perdoei e fui embora com minha mãe e meu irmão para outra cidade, ainda mais longe do resto de minha família.

Fomos morar de favor na casa de um conhecido, minha mãe logo arrumou um emprego e meu irmão continuou do meu lado me apoiando para superarmos juntos toda essa situação.

Na primeira noite que passamos na nova casa foi a primeira vez que senti sua presença maligna, ainda bem sutil, mas já me causava um certo desconforto.

Minha mãe não havia superado a separação com meu pai, então em uma atitude desesperada ela tentou suicídio tomando uma garrafa de vodka com uma cartela de seu antidepressivo que havia começado a tomar após a separação.

A ambulância logo chegou e a nossa mãe foi levada direto para a internação para tirar aquelas substâncias de seu organismo, foi quando vi a silhueta de um homem ao lado de sua cama.

Aquilo não parecia humano, tinha longas garras no lugar dos dedos e pude ver seus grandes dentes afiados quando ele sorriu para mim e seus olhos eram grandes orbitas negras que penetravam em minha alma e me deixava em um estado catatônico. Cheguei a pensar que aquilo poderia ser o próprio diabo.

Não contei o ocorrido para ninguém, achei que já fosse problemas demais que estavam acontecendo. No fim da tarde do dia seguinte nossa mãe recebeu alta e pode ir para casa. O médico a orientou a fazer um acompanhamento psiquiátrico, mas ela se negou, dizendo não ser louca para precisar de tratamento.

No final da minha adolescência meu irmão se mudou para outro país para fazer intercâmbio e me deixou aqui sozinho para cuidar de nossa mãe, que agora não sabia mais o que dizia. Nunca me senti tão só.

Comecei a me trancar em meu quarto para chorar, não aguentava mais aquilo tudo, fazia anos que não via meu pai, não conseguia ter alguma conversa com minha mãe por muito tempo e estava morrendo de saudades do meu irmão, nunca havíamos passado tanto tempo longe um do outro.

Em uma noite senti novamente a presença daquela criatura, que estava em meio a escuridão da noite em meu quarto, porém desta vez aquilo conversou comigo:

_ Olá meu garoto, estou te acompanhando há muito tempo, mais do que você possa imaginar. _ Disse a criatura.

_ Quem é você? _ Perguntei assustado.

_ Por que a pergunta se você quem me chamou? _ Disse ele.

_ Como assim eu te chamei? O que você quer de mim? _ Perguntei sem entender nada do que estava acontecendo.

_ Você ainda não está pronto para saber quem sou eu, quero apenas conversar um pouco com você. _ Disse ele passando aquelas garras em cima de minha coberta.

Novamente eu estava em estado catatônico e não podia me mexer, apenas ficava ali ouvindo o que ele tinha para falar, enquanto imaginava o que ele iria fazer com aquelas garras.

_ Relaxa. Não sou eu que vou te machucar. _ Disse ele olhando para suas garras.

_ Fiquei sabendo que você não vê seu pai há anos, sua mãe não sabe mais o que diz e seu único irmão foi embora. _ Disse ele.

_ Você se tranca aqui em seu quarto e chora todas as noites como um marica, será que seu pai nunca te ensinou a ser homem? Talvez seja por isso que ninguém te ama. _ Disse ele sorrindo ao ver a lágrima que escorria em meu rosto.

_ VAI EMBORA AGORA!!! _ Gritei enquanto ele desaparecia como fumaça em meio a escuridão.

Na manhã seguinte tentei esquecer tudo aquilo que tinha acontecido e seguir em frente com minha vida. Não fazia ideia do que poderia ser aquela criatura, mas talvez já havia descoberto uma forma de afastá-la de mim.

O ano letivo começou e eu procurei de alguma forma tirar da cabeça a falta que meu irmão fazia. Comecei a fazer cursinho, pois queria seguir os passos dele e ir fazer faculdade no exterior. Os primeiros meses foi difícil de me concentrar nas aulas, mas com o tempo fiz amigos e comecei a me distrair um pouco.

O maior problema ainda estava por vir, algo que eu ainda não havia presenciado em toda minha vida, conheci uma garota, ela era diferente de todas as outras, parece até meio clichê isso, mas ela era a única que era capaz de me fazer sorrir, esquecer dos problemas de casa.

Pensei que talvez eu pudesse leva-la para sair, quem sabe ir ao cinema, sempre fui um cara tímido, bem diferente do meu irmão que nunca teve medo de levar um fora.

_ Oi Ana, quer sair comigo? _ Perguntei sem esperança que ela aceitasse, pois o que uma garota legal e divertida como ela iria querer com um merda como eu.

_ Claro!!! Podemos ir ao cinema? Acabou de lançar um filme que estou louca para assistir. _ Disse ela sorrindo para mim.

_ Então vamos este fim de semana, deixa que eu pago o ingresso já que eu convidei. _ Respondi com uma risadinha meio sem jeito.

No sábado saímos e fomos ao cinema como combinado, ela estava linda, mais do que já era, naquele momento pude ter a certeza de que estava apaixonado.

_ Você está linda. _ Eu disse quase gaguejando.

_ Obrigada. _ Ela respondeu com o rosto meio avermelhado.

Nós assistimos o tal filme, mas para mim o que importava era estar ao lado dela, diferente dos filmes românticos eu não a beijei, eu era inseguro demais para tentar.

Aquela noite foi mágica para mim, nunca havia sentido nada parecido por ninguém, mas na vida real não existem finais felizes e logo eu descobri isso.

_ Eu adorei aquela noite que eu passei com você. _ Disse ela feliz em me ver na segunda durante a aula.

_ Que bom que você gostou, nós podemos fazer isso mais vezes. _ Respondi empolgado como nunca.

_ Claro!!! Eu só preciso saber uma coisa antes. _ Ele disse.

_ O que você quer saber? _ Perguntei preocupado.

_ Você está afim de mim? _ Ela perguntou séria.

_ Não sei, talvez. _ Respondi ainda sorrindo pensando que poderia conseguir alguma coisa.

_ Não me leve a mal, eu gosto muito de você, mas eu te quero apenas como amigo. Desculpa se eu te chateei e te fiz criar esperança. _ Disse ela triste e tentando me consolar.

_ Mas eu te amo, não sei como explicar, eu nunca senti nada parecido por ninguém antes. _ Eu respondi derramando minhas primeiras lágrimas de amor adolescente.

_ Desculpa,  eu sou uma pessoa horrível por te fazer passar por isso. _ Ela disse tentando me consolar.

Depois do ocorrido alguns meses se passaram e nossa amizade foi se fortalecendo, mesmo como amigos eu passava tanto tempo com ela e já estávamos tão íntimos que pensei que poderia ser feliz apenas com sua amizade.

Ela me ajudava tanto com meus problemas que nem me lembrava mais quais eram eles, além de que meu irmão também havia acabado de começar a namorar então pensei que ele não estivesse sentindo mais tanto a minha falta como antes.

Meu erro foi confiar demais nas pessoas que eu havia acabado de conhecer. Tudo começou a mudar quando fomos juntos a primeira balada como dois amigos.

Com a promessa de que me ajudaria a arrumar alguém para me ajudar a esquece-la ela se foi em meio a multidão que se divertia no local, quando percebi a demora fui atrás dela e vi a cena que eu rezei tanto de joelhos para esquecer.

Bem diante dos meus olhos ela estava beijando um completo desconhecido, aquilo me destruiu por dentro, eu nem sabia como reagir com aquele aperto no coração, talvez até a morte seria menos dolorosa.

Aquela noite havia acabado naquele momento para mim, mas o pior é que eu sou tão merda que continua apaixonado por ela, hoje posso dizer que o pior sentimento que já senti foi o amor.

Naquela noite recebi uma nova visita em meu quarto.

_ Há quanto tempo, já estava com saudades de te ver chorar como um marica. _ Disse a criatura.

_ Sai daqui, você é a última pessoa que eu quero ver agora. _ Respondi entre soluços e lágrimas.

_ Vejo que a vadia traiu sua confiança. Eu te disse que jamais você será amado, seu destino é morrer sozinho, pois ninguém se importa com você, aceite a realidade. _ Respondeu ele sentando ao meu lado da cama.

Naquele momento eu nem me importava mais se ele me faria algum mal, eu apenas queria chorar até que aquela dor passasse.

_ O que você quer de mim? _ Perguntei novamente.

_ Agora você finalmente está pronto para saber. Eu sou o demônio da depressão e estou aqui para busca-lo. _ Disse ele sorrindo para mim.

_ Como assim me levar? Por que eu? _ Perguntei apavorado.

_ Eu estou aqui para leva-lo para o inferno assim que você cometer suicídio, por isso vim atrás de sua mãe, porém ela conseguiu escapar, mas pode ter certeza que você não terá a mesma sorte. _ Disse ele apontando suas garras para mim.

_ Eu não vou me entregar a depressão, você não vai conseguir me levar. _ Respondi expulsando ele novamente do meu quarto.

Na manhã seguinte decidi que não me entregaria aquela coisa, agora entendo o que leva a tantas pessoas cometerem suicídio, ele as manipula até conseguir o que quer.

O aniversário de Ana estava se aproximando e eu sabia o presente perfeito para ela, sua cor favorita era a preta, então pintei um buque de rosas de preto para pedir ela em namoro à moda antiga.

Eu falhei miseravelmente, ela se recusou a namorar comigo e desde então nossa relação nunca mais voltou a ser a mesma, aos poucos ela foi deixando de sair comigo e cada vez mais com outras pessoas, além de parar de responder minhas mensagens.

O ano acabou e eu não consegui o intercâmbio, com isso continuaria longe do meu irmão, tudo por culpa daquela vadia que eu era incapaz de esquecer mesmo depois de tudo.

No carnaval do ano seguinte minha sanidade chegou ao limite, foi quando ele me machucou pela primeira vez.

_ Onde você ta passando o carnaval? _ Perguntei por mensagem de texto.

_ Na chácara de um amigo, vou passar a noite aqui. _ Ela respondeu com poucas palavras.

Nós ainda conversamos por mais umas duas horas, até que ela finalmente parou de responder, pois havia acabado de ir para cama com esse tal amigo, foi quando aquele demônio apareceu mais uma vez.

_ Você sabe muito bem o que ela está fazendo agora. Não adianta mentir para si mesmo, a cena ficará passando pela sua mente, isso não vai parar. _ Disse ele com um sorriso que ia de orelha a orelha.

_ Faz isso parar, EU NÃO AGUENTO MAIS!!! _ Gritei em desespero.

Em minha mente se passava todos os gemidos de prazer, toda a cena passava por minha mente e eu sei que era aquele demônio que estava fazendo isso comigo.

_ Só existe uma maneira de fazer isso parar. _ Disse ele preparando suas garras.

_ Tudo bem, faz o que precisa ser feito, mas pelo amor de Deus faz essa dor parar. _ Respondi.

Sorrindo a ponto de gargalhar ele estendeu suas garras ao longo de minha perna direita e a arranhou com cortes mais profundos do que qualquer outro que eu já tivesse feito na vida.

Eu gritava de dor enquanto ele me cortava como um pedaço de carne, mas por dentro me sentia melhor, pois aquela dor infernal que ardia em meu coração era muito pior do que todos aqueles cortes em minha perna.

A partir daquele dia aquela cena virou rotina, eu chegava a noite da faculdade, me trancava no quarto com o coração disparado e o rosto inchado de tanto chorar e ele já me esperava, noite após noite com suas lâminas pronto para me cortar novamente.

Os cortes estavam cada vez mais profundos e logo não haveria mais espaço para novos cortes em minhas pernas, foi quando meus pulsos começaram a se encher de marcas, as marcas do dor.

Eu não chorava mais apenas pelos olhos, eu passei a chorar lágrimas de sangue que escorriam pelos meus cortes e a cada corte aquela criatura ia se tornando maior e mais monstruosa.

Cheguei ao ponto de pedir ajuda para Ana, porém em vão. 

_ Ana por favor me ajuda, eu não sei mais para quem pedir ajuda, minha mãe não me entende, já tentei pedir ajuda para minha família, mas eles só me criticam ao invés de me ajudar.

_ Eu não tenho nada a ver com isso, isso é problema seu, eu já tenho meus próprios problemas para me preocupar e não quero mais saber dos seus, te desejo toda sorte do mundo para você conseguir se tratar, VÊ SE ME ESQUECE!!! _ Aquelas foram as últimas palavras que ela me disse antes de sair de vez da minha vida e deixar um enorme buraco em meu coração.

Aquelas palavras acabaram comigo, naquele momento eu não aguentava mais, os cortes já não eram mais o suficiente para aliviar a minha dor, tentei arrumar outros meios de me distrair, mas tudo o que eu fazia me lembrava ela.

Isso tudo estava acontecendo na mesma época do lançamento de 13 Reasons Why, que retrata justamente o problema da depressão e como ela pode resultar em suicídio.

Na noite passada eu estava terminando de assistir o último episódio quando ele apareceu outra vez.

_ Que ironia, quem diria que logo você estaria assistindo isso, talvez fosse a coisa certa a fazer. _ Disse ele sem expressar todo aquele prazer que ele sentia em me cortar.

_ Pensei que você estaria feliz se eu cometesse suicídio. Pelo visto me enganei. _ Respondi já sem ânimo para tentar contraria-lo.

_ De certa forma sinto pena de vocês suicidas, muitos nem tem culpa de tudo o que acontece a sua volta e acabam pagando o preço com suas próprias vidas. _ Disse ele.

_ Eu não quero mais continuar nesse mundo, não quero mais sentir isso que eu senti com Ana, não quero ser um fardo na vida de minha mãe e queria poder me despedir pessoalmente do meu irmão. _ Respondi com minhas últimas palavras.

Agora quem estiver lendo isso saiba que eu fui um covarde por ter desistido, eu deveria ter procurado um tratamento e afastado de mim todos aqueles que me causavam o mal.

Desculpa mãe por não ser o seu filho perfeito que você sempre sonhou. Desculpa pai por nunca ter te procurado, espero que também me perdoe por minha decisão. Por fim me perdoa meu irmão, do fundo do meu coração, eu tentei suportar toda essa dor na esperança de te ver de novo, mas infelizmente não consegui o intercâmbio, mas te desejo toda a felicidade com quem você estiver, saiba que de alguma forma eu sempre estarei ao seu lado.

Este diário foi encontrado ao lado do corpo ensanguentado do jovem de 19 anos que cometeu suicídio cortando os pulsos nesta última madrugada, é lamentável, porém verídico o fato de que muitas pessoas tiram suas próprias vidas de uma forma tão trágica, muitas vezes por não serem compreendidas dentro das suas próprias casas.

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